Com a melodia deveras parecida com a de desenhos animados dos anos 50, o cantor e compositor (também filósofo formado na USP) Rogério Skylab conta em primeira pessoa a história de um homem que teve pertences levados por um oficial de justiça em variados episódios de sua vida (e morte também).

     Skylab aqui descarta o significado óbvio e molda o corriqueiro como algo monumental (aliás, marcas registradas do artista). Depois da primeira vez que ouvi esta pintura de Dalí, perguntei-me durante horas o que este homem estava querendo dizer com tamanha prosopopeia quotidiana. Voltei a ouvir, fui pensar sobre, de início desisti. Depois de dias, voltei no mesmo desafio e idealizei uma possível explicação. Me perguntei por mais tempo se relamente era aquilo, e estou certo que sim.

     Por fim, sinto-me no dever de apresentá-los tal esquartejamento da obra; não vejo o porquê de deixá-lo na gaveta.

     Em suma, a música é uma releitura da senhora fábula "A Cigarra e a Formiga"; onde exalta-se a meritocracia. (E por parte do artista, percebemos toques de pensamento Marxista.)

     Um domingo na hora de almoço e um dia chuvoso; nas próprias descrições detalhadas dos dias de visita do oficial, o compositor já expressa a essência de tal pensamento (afinal, ninguém gosta de trabalhar nestas condições) e demonstra estar sossegado em relação a alguma consequência (mesmo com alguns avisos, semelhante a fábula).

     O compositor, já falecido, relata que o oficial de justiça continuou retornando a casa mesmo com o indivíduo devedor não estando lá; assim, passando a imagem de ser o oficial de justiça ter um trabalho alienado (que cá entre nós, apesar da condição social e financeira que eles têm, em tais termos não difere dos operários).

     A melodia da música não foi escolhida por aleatório, este som que lembra muito músicas de cartoons desenhados a mão, quer passar esta impressão de que a música nada mais passa de uma história para crianças; uma história onde as pessoas que não se vendem pelo dinheiro morrem e são esquecidas. O tal oficial ganha a vida tirando bens dos que não tem nada e entregando-os ao que têm tudo: o Governo. Mas ele nem percebe, que não está entregando ao Estado apenas tais objetos, mas também, sua liberdade e habilidade de questionar.

     Se Skylab realmente pensou nisto ao escrever a música, devo admitir que ele é um gênio; atualmente, ninguém mais gravaria uma música sobre trabalho alienado e a falha que a meritocracia é. Tal trabalho é surpreendente e não me conformo de não ter todos os seguidores que esta mente brilhante merece. Caso eu tivesse 10% da genialidade deste homem, seria particularmente realizado.

Grande Skylab!

10/10.